segunda-feira, julho 14, 2008

Mercado vive a ressaca dos IPOs

Quase 70% das empresas que abriram o capital a partir de 2006 valem hoje menos do que na estréia na Bolsa
O dia seguinte a uma festa de arromba é uma boa analogia para o clima entre as novatas na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Vive-se uma ressaca generalizada no pregão. Quase 70% das empresas que fizeram a oferta inicial de ações (IPO, na sigla em inglês) a partir de 2006 estão com o preço abaixo do valor de estréia, segundo levantamento realizado pela Economática a pedido do Estado. Pelo menos 12 delas têm valor 50% inferior.
"Todo desenvolvimento positivo tem um lado escuro. E há dois lados com o boom dos IPOs do Brasil", disse por e-mail Aswath Damodaran, professor da New York University e atento observador do mercado de capitais brasileiro. "Quando muitas empresas abrem o capital ao mesmo tempo em um mercado em explosão, aparecem algumas companhias que nunca deveriam ter se tornado públicas - e transparência é parte do problema. Uma conseqüência é a redução do preço das ações, que claramente estava alto demais. A outra é o desapontamento de investidores que compraram nos IPOs esperando retorno de curto prazo."
Entre 2006 e 2007, 90 empresas abriram o capital, ante 16 nos dois anos anteriores. A euforia foi alimentada pelos investidores estrangeiros, responsáveis por mais de 70% dos R$ 70 bilhões levantados pelas estreantes nesse período.
A crise financeira americana veio e esses mesmos investidores venderam suas posições nas novatas, que normalmente têm menos liquidez. "Com a retração rápida, as fragilidades ficaram mais aparentes", acredita o consultor financeiro da Arsenal Investimentos, Gustavo Junqueira. "No Brasil, IPO ficou parecendo a única opção. Os empresários emergentes ficaram seduzidos pelo discurso dos bancos de investimento."
Bancos como o Credit Suisse e UBS Pactual, os líderes dos IPOs, financiaram muitas das empresas de menor porte que foram para a Bolsa. O objetivo era valorizar o passe das companhias. Na Agrenco, por exemplo, o Credit Suisse recebeu 6,8% das ações como bônus por liderar um empréstimo sindicalizado de US$ 150 milhões, usado para construir três usinas de biodiesel e esmagamento de soja.
Outro caso emblemático é o do Banco Cruzeiro do Sul, cujas ações já se desvalorizaram 51%. O prêmio pago ao UBS pelos empréstimos de R$ 225 milhões, tomados alguns meses antes do IPO, foi quase seis vezes maior que a comissão paga ao mesmo banco, responsável pela coordenação. Na oferta primária, o Cruzeiro do Sul captou R$ 574 milhões e repassou cerca de 5% ao UBS - quase R$ 30 milhões. Agora, o banco precisa de mais dinheiro para continuar crescendo. Só que a vida não é mais tão fácil. Na quinta-feira, a agência Dow Jones informou que o Cruzeiro do Sul pode adiar os planos de uma emissão de bônus no exterior.
As empresas pisaram fundo no acelerador acreditando que o mercado estaria aberto mais adiante. A Laep (Parmalat) teve seu preço-alvo rebaixado recentemente pelo UBS por não cumprir os compromissos de uso do dinheiro captado. Para Junqueira, o empresário não foi vítima, mas a dificuldade de gerir uma empresa pública foi ofuscada no processo. "No road show, você visitava 120 investidores em 15 dias. É muito rápido para o analista de um fundo absorver. Ele acabava confiando na placa do banco", diz Junqueira, que até o começo do ano era diretor de relações com investidores da Eztec, umas das empresas imobiliárias que mais têm sofrido na Bolsa. "Muitas companhias de médio porte que não tinham razão para ir a mercado vão derreter. E não se recuperarão, assim como muitas da bolha da internet em 2000 jamais se recuperaram", prevê o presidente de um banco de investimentos.
(Fonte: O Estado de São Paulo, Patrícia Cançado)